Sierra
“Línguas minoritárias são sufocadas por idiomas maiores”

               Ultimamente tenho pensado bastante nas línguas e, mais especificamente, nas línguas menos faladas. Nos últimos 10 anos, já desapareceram mais de 100 línguas e outras 400 estão em situação crítica. Além disso, 51 dessas línguas são faladas por uma única pessoa. Você consegue imaginar sendo o último falante nativo de uma língua? Ou a tristeza que essa pessoa deve sentir ao saber que uma língua que faz parte da sua identidade e cultura vai morrer junto com ela? De acordo com a Unesco, a cada 14 dias morre uma língua. Eu falo isso porque isso me faz pensar muito nas pessoas que falam essas línguas.

Não consigo contar o número de pessoas que já me disseram que têm um avô ou bisavô que fala espanhol, italiano, grego, seja o que for, e que não podem se comunicar com eles. A maioria dessas pessoas que diz isso normalmente parece se sentir indiferente com isso. Dizem, “seria legal se pudesse conversar com ele em italiano” ou “não consigo comunicar com meu avô na língua dele mas um dia eu aprendo.” No entanto, nunca falei com, por exemplo, o avô ou bisavô que tem esses netos ou bisnetos com quem eles não podem se comunicar. Será que eles se sentem tristes? Desapontados? Frustrados? Indiferentes?

Também penso muito no aprendizado do inglês, como se tornou uma das línguas mais úteis do mundo e como tem uma grande quantidade de pessoas o aprendendo. Há muitas pessoas que escolhem aprender inglês ou outras línguas mais "úteis" em vez das línguas dos bisavós, por exemplo. Sei que eu provavelmente faria a mesma coisa se o inglês não fosse minha língua nativa, mas me sinto triste sabendo que é assim que as línguas mais antigas desaparecem. Será que vale a pena aprender as línguas que estão em situação crítica? Ou será que não podemos evitar que essas línguas desapareçam?


May 5, 2018 4:05 AM
Comments · 14
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Obrigado pelo assunto interessante. Eu falo uma língua menos falada que foi, e infelizmente talvez ainda é, em perigo de desaparecer. Vou esclarecer um pouco como ela chegou a estar nesta situação tão precária, porque acho que há muitíssimas outras línguas minoritárias no mundo que sofreram uma sorte semelhante que conduziu a serem faladas hoje somente por poucas pessoas. A minha língua é a língua indígena duma ilha grande e outrora era falada por toda a população deste país - várias milhões de pessoas - mas depois de vários séculos de ocupação e de opressão por parte dum outro povo, hoje em dia é falada como língua materna somente por uma pequena percentagem da gente, a maior parte fala a língua dos invasores. Os opressores estrangeiros aprovaram leis que discriminaram contra a população nativa e a sua língua e decretavam políticas que mantinham os nativos na pobreza e deixou que milhões de pessoas morreram de fome, enquanto quem adotou a língua e a religião e o estilo de vida dos invasores podia ter uma vida melhor: possuir e herdar terrenos, ir a escola, etc. Nestas circunstâncias pode se perdoar as mães e os pais que criam que a sua própria língua fosse um impedimento para os filhos e que decidiram não passá-la a eles, ainda mais pode se perdoar quem não sobreviveu pra passar a língua à próxima geração. Assim aconteceu e no XIX e no XX século parecia que em breve a língua iria se extinguir. Mas ela sobreviveu. Por fim a gente conseguiu libertar a maior parte do país, se interessou de novo na própria língua e na própria cultura e o novo estado a apoiou. Agora o declínio terminal é estado parado e o conhecimento da língua está difundido em todo o país, se bem que nem toda a gente fala bem. Todo isso para dizer que a desaparecimento das línguas minoritárias não é coisa inevitável, é consequência da escolha humana de calcar aos pés os direitos de outros povos ou de deixá-los em paz para florescer.
May 5, 2018
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De fato é muito triste essas desconexões familiares que podem ocorrer graças a barreiras linguísticas que não se tem um interesse de transpor. Muitas vezes até para aqueles que estão em contato direto com uma língua pouco falada, o desejo de aprendê-la não está presente. O pragmatismo de nossos tempos pode nos levar a tomar essas decisões, em que resumimos muitas coisas em termos de um utilitarismo. Mas há também o desinteresse pelas raízes culturais, a infiltração da globalização... Assim, para aqueles que se interessam por aprender uma língua que está morrendo, existe aí um tipo de afirmação de identidade, de cultura, de resistência.

Mesmo que aqueles que estejam distantes do uso prático de tais línguas não estejam interessados em aprendê-las, essas línguas não deveriam ser subjugadas. Devemos vê-las como os linguistas as veem, sem preconceitos, sem uma hierarquização entre "desenvolvidas" e "atrasadas". Como disse Chomsky: "When a language disappears, a lot is lost. A language is a repository of cultural wealth. Each language is a way of understanding and interpreting the world".

O movimento consciente que busca evitar a morte de uma língua é uma atitude ideológica, ao menos os movimentos atuais de revitalização ou preservação de línguas apresentam-se sempre com esse viés. E esse movimento de resistência é sem dúvidas mais eficaz vindo de quem vive dentro dessa língua. Infelizmente, não acredito que seja um grupo de estrangeiros alheios, vindos do outro lado do globo, que consegue vir "ao resgate" e evitar a morte de uma língua que está para desaparecer. É nos falantes nativos, enquanto um grupo coeso culturalmente, que está a maior força para uma "tenacidade linguística".

May 5, 2018
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Excelente discussão, realmente deve ser muito triste morrer sabendo que você é o íntimo falante de certa língua. Muitas pessoas não tem interesse em apreder outro idioma ou quando são crianças os pais não os influenciam. Eu vejo muitos amigos meus falando em inglês e os pais respondendo em espanhol.
May 5, 2018
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@Gustavo, estou de acordo que falar ou aprender uma língua minoritária pode ser um ato de resistência: contra a globalização, contra a homogeneização, assim como contra a opressão. Acho que quem faz isso beneficia toda a humanidade (embora talvez não seria apreciado por todos) e que quando morre uma língua é uma perda irremediável para a humanidade inteira. E sim, para salvar uma língua da extinção é preciso que o povo ele mesmo estime a língua e que tenha vontade de não perdê-la (ou de ressuscitá-la); porém as vezes se precisam também de forasteiros para ajudar a criar as condições nas quais a gente possa se sentir segura sobre o valor da própria língua ancestral.
May 5, 2018
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@Gustavo

Amei sua resposta! "esse movimento de resistência é sem dúvidas mais eficaz vindo de quem vive dentro dessa língua"--você tem toda a razão! A língua não pode ser salva (não sei se é assim que se fala) por estrangeiros. Mas ainda é lindo ver pessoas se interessando por esses idiomas :)

May 5, 2018
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